Um jeito diferente de engordar a pasto |
No cocho (feito com caixa d'água
plástica), um líquido viscoso e escuro como chocolate em calda atrai a
atenção do gado. Os animais se aproximam e começam a lambê-lo. Saem para
pastejar um pouco e voltam novamente ao cocho, deitando-se ali por perto. Não
se vêem instalações típicas para oferta ou armazenamento de sal mineral. O
recipiente plástico fica a céu aberto, sem proteção contra chuva. Estas são
imagens pouco comuns nas fazendas brasileiras, mas que ilustram um conceito
diferente de alimentação animal: a suplementação líquida. Mistura de fontes
minerais e energértico-protéicas, ela pode ser usada na engorda de bezerros
(via creep-feeding), na manutenção de vacas de cria e também na
terminação de novilhos, que chegam a ganhar 1,2 kg/cab/dia.
“Fazíamos semiconfinamento, fornecendo aos
animais ração pronta. Mas seu custo operacional era alto. Precisávamos trazer
o produto de Rondonópolis (MT) e armazena-lo em ambiente controlado. Quando
chovia, era um transtorno: condicionados ao trato, os bovinos ficavam
esperando a ração, mas não podíamos fornecê-la. Além disso, para tomar conta
do semiconfinamento, ocupávamos no mínimo dois peões, responsáveis por dois
tratos diários. Em 2001, decidimos experimentar a suplementação líquida e
nossa rotina mudou completamente. Um peão passou a cuidar de tudo. O
outro foi direcionado para serviços gerais. A armazenagem do produto é
simples e, quando chove, ele não se perde”, garante Marco Túlio Bacio
Cardoso, administrador da Fazenda Entre Rios, no município de Sud Mennucci
(SP), próximo à fronteira com o Mato Grosso do Sul
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VANTAGENS OPERACIONAIS A propriedade de 1.936 hectares pertence ao Grupo
Triunfo e dedica-se exclusivamente à engorda, terminando a pasto, com
suplementação líquida, cerca de 3.400 bois/ano. Os cochos são reabastecidos a
cada dez dias, propiciando economia com combustível e manutenção de máquinas.
“Os peões deixaram de trabalhar nos finais de semana (como é rotina no
semiconfinamento tradicional), eliminando horas extras. Para completar: o
desperdício é mínimo”, explica Cardoso.
Na Fazenda Entre Rios, a ração líquida é
armazenada em tanques para 1.000 litros e tem durabilidade de um ano (veja
composição nutricional mais adiante). Quando necessário, basta
transferi-lo (com ajuda de uma bomba e mangueiras) para um recipiente vazio alojado
na carroceria do caminhão, e depois, distribuí-lo nos cochos. Também pode-se
utilizar tambores de 60 kg, deixando-os no pasto para facilitar o
abastecimento. Cardoso usa um cocho plástico de 500 litros para cada 75
animais.
Segundos ele, quando
chove, a água não se mistura ao produto. Por ser mais denso, ele fica em
baixo e a lâmina d`água se deposita em cima, sendo rapidamente consumida
pelos animais. Para evitar pisoteio e subpastejo em algumas
áreas, o cocho é transferido de lugar periodicamente. “O sistema é tão prático
que chegamos a engordar 6.000 cabeças, em uma propriedade arrendada
apenas com dois funcionários”, garante.
Na Entre Rios, os novilhos são mantidos em pastos
rotacionados de braquiarão. MG-5, tanzânia e mombaça, recebendo suplemento
líquido tanto no período da seca quanto das águas, pois a fazenda tem dois
ciclos de terminação: um com início em fevereiro e outro em
agosto/setembro. No primeiro, o produto é fornecido durante seis meses e no
segundo, durante quatro, pois a pastagem em dezembro/janeiro está no auge,
permitindo altos ganhos.
Além da Entre Rios, o Grupo Triunfo possui mais
duas unidades de engorda, as fazendas Santa Terezinha, em Paraguaçu
Paulista-SP e Herdade, em Itapira-SP, Mantendo em Campo Grande uma “vitrine”
de gado puro (o Brahman Center Triunfo) para venda de reprodutores dessa
raça. Já a recria é feita nas fazendas Eldorado, no município de Gália-SP e
Andradina em Campinápolis-MT. Todas essas propriedades e outras arrendadas
pelo grupo trabalham com suplementação líquida (cerca de 10.000 cabeças
tratadas por ano). A única exceção é a fazenda Nova Bandeirantes, no Mato
Grosso, especializada em cria. Ela tem difícil acesso e está muito distante
da empresa fornecedora dói produto, o que torna seu uso economicamente
inviável.
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CUSTO X BENEFÍCIO – Aliás, o custo dessa tecnologia no Brasil gera certa polêmica.
Muitos técnicos costumam não recomendá-la na engorda de bovinos, argumentando
que seu preço é pouco competitivo frente aos das rações sólidas. Segundo
Fernando Loureiro Lima, diretor comercial da Anipro – empresa do grupo
norte-americano XF Enterprise, que comercializa suplementos líquidos no País
desde 1996 – em certas regiões, realmente é difícil competir com produtos
convencionais por causa do frete, mas esses casos são exceção. “Nas áreas onde
se concentra a maior parte do rebanho bovino brasileiro, nosso produto
apresenta excelente relação custo x benefício, permitindo seu usos,
inclusive, de forma estratégica, como fez o Grupo Triunfo em 2003”, diz
ele.Loureiro conta que, na época, essa empresa precisou engordar 5.400 bois
de 3,5 anos rapidamente. Os animais haviam sido recriados a pasto apenas com
sal mineral, e, no final de maio, estavam com 14@, devendo seguir para
terminação em boitel. “Sugerimos que o lote recebesse ração líquida durante um período curto, pára entrar no confinamento com 15@, economizando
diárias. A experiência revelou-se um ótimo negócio”, explica o técnico da
Anipro. Tratados durante 70 dias, os bovinos ganharam 30 Kg de peso ao custo
de R$ 31,40/cab/período, ficando 21 dias a menos no boitel. Com isso, a
empresa deixou de desembolsar R$ 67,2/cab, já que a diária, na época, custava
R$ 3,20 por boi. Ou seja, ela economizou R$ 35,8/cab.
“No semiconfinamento que fazemos, a suplementação
líquida também desempenha papel estratégico, pois permite terminar duas
boiadas por ano”, ressalta Cardoso, administrador do Grupo Triunfo.
“Entretanto, ninguém precisa seguir nosso modelo, que pressupõe tratar os animais durante quatro/seis meses. Consideremos,
por exemplo, que um pecuarista suplemente seus animais por apenas 30 dias,
visando consumo diário de 482 g/cab e ganho de 725 g/cab (21,75
kg/cab/período). Como o quilo do suplemento custa R$ 0,93, terá despesa de R$
13,44/cab/mês ou R$ 0,61 por Kg de peso vivo.
Se usar ração comercial com 18% de proteína,
fornecida na proporção de 1% do PV (4,5 Kg cab/dia), obteráganho diário maior
(910 g/cab) ou 27,3 Kg/cab/mês , mas seu custo também subirá. Ele gastará R$
60,75/cab/mês ou R$ 2,22 por Kg ganho, considerando-se o quilo da ração a R$ 0,45.
E nem contabilizei itens como mão-de-obra e combustível”, diz ele.
CONCEITO – Marco Túlio Cardoso lembra, entretanto, que esses são números da
Entre Rios. Cada pecuarista deve fazer suas próprias avaliações econômicas,
com base em cotações locais. Avaliações que o presidente mundial da Anipro,
Wes Klett, enfrenta com tranqüilidade. “Um produto só é caro quando não dá
resultado. A meu ver, não é o preço que limita a difusão da suplementação
líquida no Brasil, mas o desconhecimento dos pecuaristas quanto a seu
funcionamento e benefício. Isso acontece porque ainda existem poucas pessoas
trabalhando o conceito a campo. Se tivéssemos mais concorrência, mais
empresas comercializando o produto, a demanda seria maior. Nos Estados
Unidos, existem cerca de 50 fabricantes. Essa grande competição dá
credibilidade, ativa o mercado”, salientou ele em entrevista exclusiva à DBO,
durante uma de suas visitas ao País.
Hoje, no Brasil, apenas a Anipro e a Líquida Nutrição Animal ofertam esse tipo de
produto. Ambas têm sede em Campo Grande e, embora possuam representantes
alguns Estados, a comunicação com os pecuaristas continua muito circunscrita. “Vamos atacar esse problema com contratação de novos representantes e
maior divulgação da tecnologia. Na região de Campo Grande, já implantamos o
sistema full-service (entrega a domicílio). Caminhões-tanque
colocam o suplemento a granel diretamente nas propriedades, fazendo,
inclusive, o controle de consumo. Assim, o produtor não precisa mais estocar
o produto e só paga o que é colocado no cocho”, informa Antônio João de
Almeida, ex-professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e hoje
diretor técnico da Anipro.
Stefan Kurmann, proprietário
da Líquida Nutrição Animal, também planeja fazer sua empresa presente em mais
Estados, além de participar de feiras agropecuárias, como a Expo-Grande, em
abril. “Porém, nossa prioridade é a
fidelização dos clientes, por meio de atendimento personalizado nas fazendas”,
explica ele.
A Líquida foi fundada em 2004, atuando
principalmente nos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. Kurmann
também acredita que a principal barreira enfrentada pela tecnologia no Brasil
é a desinformação. “Depois que o pecuarista entende como o produto funciona e
comprova seus resultados, dificilmente deixa de usá-lo”, garante.
CONSUMO – Segundo Kurmann, quanto maior a ingestão, mais rápida a
engorda. Ele tem investido em formulações para alto consumo (cerca de 1
kg/cab/dia, visando ganho diário de 1,1 kg por bovino), mas diz que a palavra
final é do cliente. Laurindo Saito, por exemplo, dono da Fazenda Pontal da Água Limpa, em Ribas do Rio
Pardo (MS), prefere trabalhar com uma oferta diária de 500 g/cab. “Trato os animais apenas nos últimos 40-50 dias de
engorda, para atingirem 400 kg/cab. Antes não conseguia terminá-los nas águas
com este peso. Cheguei a fazer algumas experiências com torta de algodão e
farelo de soja, mas achei o suplemento líquido mais fácil de ministrar”,
diz o criador, que gasta R$ 0,40/cab/dia com a suplementação (menos de uma
arroba por período). Na seca, como a disponibilidade de forragem cai, Saito aumenta
a oferta do produto.
Vários técnicos apontam o controle de consumo
como uma das dificuldades da suplementação líquida, mas as empresas que
comercializam essa tecnologia discordam. “Os animais recebem
diariamente a quantidade necessária para determinado ganho e confirmam, na
balança, o desempenho esperado”, salienta Kurmann, da Líquida, cujos produtos
não contêm reguladores de consumo. Já a Anipro, trabalha com dois
compostos: um doce e outro azedo. Normalmente fornecidos juntos, o segundo
(de cor escura) controla a ingestão do primeiro. “Se o pecuarista quer
desempenho moderado, aumenta a quantidade do amargo, que funciona como um
freio ou inibidor, a exemplo do cloreto de sódio no sal proteinado. Se quer
elevar o ganho diário, trabalha com percentuais menores desse composto.
E se deseja máximo desempenho do animal, fornece
apenas o doce, que é altamente palatável”, explica Fernando Loureiro, da
Anipro.
Segundo ele, no Brasil, boa parte dos pecuaristas
utiliza misturas contendo 80% do composto doce e 20% do azedo, visando obter
ganhos entre 700 e 900 g/cab/dia. “Mas, esses percentuais não devem ser
vistos como regra. Para definir qual mistura apresenta a melhor relação custo
x benefício nas condições específicas de uma fazenda, é fundamental avaliar suas
pastagens, sistema de manejo, clima, rebanho e vocação comercial”, salienta
Loureiro. Para melhor adaptação dos animais, deve-se fornecer 100% do
composto doce durante a primeira semana de trato e, depois, ir acrescentando
o azedo aos poucos até o percentual desejado. Segundo Loureiro, é importante
observar o cocho periodicamente para checar se a ingestão está satisfatória.
CREEP-FEEDING - Os produtos para creep-feeding normalmente não contêm
inibidores de consumo, sendo fornecidos à vontade. Um estudo realizado na
Fazenda Nhumirim, da Embrapa Pantanal, em agosto de 1997, envolvendo 40
bezerros tratados com suplemento líquido, registrou consumo de 90 g/cab/dia
nos quatro meses de seca e ganho de 15,9 kg no período, enquanto o lote
testemunha perdeu 3,4 kg/cab/dia. As mães dos bezerros suplementados também
receberam ração líquida durante 189 dias, ganhando 51,6 kg e apresentado
índice de natalidade de 81,5%. Das fêmeas não-tratadas, que engordaram 19,4
kg durante o experimento apenas 13,1% emprenharam.
Segundo Wes Klett, presidente mundial da Anipro,
um erro clássico dos produtores é não investir em vacas com bezerro ao pé,
principalmente quando o mercado de cria está em baixa. Michel Stevenson, que
acompanhou Klett durante sua visita ao Brasil em outubro passado, também
condena essa visão imediatista. Selecionador de Angus em Tulsa, Oklahoma, ele
possui 6.000-7.000 matrizes, que há oito anos recebem ração líquida. Por dois
motivos: a vaca desmama bezerros mais pesados em tempo mais curtos e mantém
ótima condição corporal, que lhe garante melhor performance reprodutiva. “Nem
preciso de creep-feeding. As fêmeas apresentam altos índices de prenhez, sem
ter de ser separados dos bezerros, ao contrário do que ocorre por aqui”,
assegura. Wes Klett acredita que a suplementação líquida vai ganhar força no
Brasil, por isso instalou-se no País, fiel à filosofia de atuar em todos os
grandes centros produtores de carne bovina. “Sabemos que existe uma barreira
cultural à tecnologia. Os pecuaristas brasileiros estão acostumados com
rações sólidas, têm dificuldade de mudar, por isso precisamos fazer um
trabalho de esclarecimento e convencimento. Mas vejo tremendas oportunidades
nessa terra, que tem o maior rebanho comercial do mundo. E estou confiante de
que o produtor vai aderir à suplementação líquida, conforme for obtendo
retorno econômico”, frisa o empresário.
Pesquisa da UFMS aponta ganhos com
ração líquida em sistema de creep-feeding
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Um pouco de história
A suplementação líquida não é uma
tecnologia nova. Existem relatos de fornecimento de melaço de cana bovinos
desde 1890. Inicialmente usando puro, esse produto incorporou o fósforo na
década de 30 e depois a uréia, nos anos 50. com o tempo, foram adicionados
outros nutrientes às formulações, como proteína verdadeira, lipídios,
minerais, vitaminas, aditivos e até componentes homeopáticos.
O país que melhor explora a
suplementação líquida no mundo são os Estado Unidos, onde ela é empregada
desde 1957, apresentado incremento anula de 10% nas duas últimas
décadas.Segundo informa o veterinário Judson Vasconcelos, que faz doutorado
na Texas A&M University, professores dessa instituição entrevistaram, em
2001, um grupo de 19 nutricionistas norte-americanos, responsáveis por
confinamentos que terminam 13 milhões de bovinos/ano.
Esses especialistas afirmaram que
58,37% de seus clientes utilizavam suplementação líquida. Em 2000, foram
comercializados no país 1,7 milhão de toneladas desse tipo de produto, 60%
para confinamentos(feedyards). A tecnologia também é bastante difundida na
Nova Zelândia e na Austrália, país já conta com sete fabricantes.
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Composição nutricional
A uréia, fonte de nitrogênio não
protéico(NNP), eleva a quantidade de proteína bruta presente no melaço, que é
pobre nesse item. Contudo, segundo o veterinário Judson Vasconcelos, até
pouco tempo boa parte do NNP contido na mistura líquida era desperdiçada,
pois a uréia se degrada rapidamente, disponibilizando amônia em quantidade
muito maior do que as bactérias do rúmen podem aproveitar. Esses
microorganismos precisam que o nitrogênio proveniente da amônia seja
liberado em sincronia com a energia contida na pastagem; para que possam
sintetizar a proteína microbiana, essencial na nutrição de ruminantes. Como o
capim é um alimento fibroso, processado de forma bem mais lenta, ocorriam
desequilíbrios no processo e muito nitrogênio de perdia.
Esse problema foi parcialmente
solucionado com a uréia “slow release”, que tem liberação gradual e não traz
riscos de intoxicação para os animais. A utilizada pela Anipro chama-se
Rumopro e é importada dos Estados Unidos. Pesquisas têm demonstrado que esse
tipo de uréia aumenta a digestibilidade da pastagem entre 20% e 30%. Segundo
Vasconcelos, é interessante lembrar ainda que, na ração líquida, os
ingredientes não se separam. “Isso permite a adição de ionóforos e minerais
com maior eficácia, pois não há possibilidade de consumo seletivo de
ingredientes em condições de pastejo”, salienta.
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